quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Em abril, em outubro.

Confabulávamos por horas sobre o que faríamos quando eles não estivessem mais por perto; eles que atrapalhavam tanto nossos planos e que não entendiam nossas urgências. Nós mentimos, roubamos, pulamos o portão rezando pra que o cachorro não se alarmasse, mas nosso muro maior ainda eram eles.

Respeito e medo se confundiam com as vozes em tom tão grave, os olhos vigiavam cada passo nosso nas trilhas falsas que tomávamos sem nos perceber da gravidade, o que nos rendeu memórias de verões sem fim nas velhas casas com janelas barulhentas que abríamos com muito zelo pra escapar durante a noite.

Crescendo dia a dia e foi assim que a vida foi nos levando, até chegar naquele abril e tudo parar no tempo de um dezembro vazio, de sonho estranho. Como se aquelas férias ficassem pra trás e a cidade já quase não existisse. Hoje ao fechar os olhos me lembro tão somente da árvore imensa que abrandava o calor e que fazia sombra na casa dela pelas 4 da tarde. Já não os vejo mais, nem na rede e nem nos procurando, a voz já não nos chama e tudo faz bem pouco sentido.

O tempo, embora sempre tão relativo, nos deu chances suficientes pra que víssemos a proteção que eles nos davam, que a vigilância exacerbada era mais uma das muitas formas de amor. Me pergunto sempre se retribuí a todo esse carinho, porque hoje já não dá mais tempo.





Perder seu pai hoje foi como perder o meu de novo, me ver percorrendo em silêncio aquele caminho às cegas que fiz guiada por tua mão e carregando ele na outra. Foi doer mais uma vez minha saudade pensando no tamanho da sua dor que não passa. Foi ver a minha sala e a tua vazias, foi ouvir os ecos que eles deixaram com ordens de "Toma cuidado" e "Não sai sem jantar". Perder seu pai hoje foi como descobrir de novo o quanto deles tem em nós e pedir que eles nos olhem de cima como águias pra sempre.

E agora que eles não estão mais por perto, minha amiga, não dá pra fugir deles que estão em nós. Não dá pra fugir de nós. Essa é a melhor parte deles, a que fica.



domingo, 17 de outubro de 2010

Pequenos Prazeres




Você me falou de ver o sol nascendo devagar enquanto as pessoas corriam atrás do dia, logo você que sempre vê o sol surgindo além da noite me veio com essa conversa no meio de um nascer do sol. Mais uma manhã que você perdeu pensando enquanto a vida acontecia.

Filhos crescendo, chuva chegando e você não entende que é disso que eu me alimento, não sai de dentro do casulo nem quando dá a cara pra bater na rua que atravessa sem olhar. Toda essa camada de cor que te envolve é só tinta, você nem presta a devida atenção ao redor, nem nota quantas vezes o seu coração bate ou apanha dentro do peito.

Seu descaso é medo do fracasso? Me explica isso direito, porque entre um devaneio e outro eu só entendi que aquele coração que eu pintei na sua parede branca, bate, mas que você aumenta o som pra não escutar.

Não se iluda, quando me viu chorar foi de tristeza por você não ver as delícias da vida, por não notar como o ócio pode ser produtivo, por não entender que ficar sóbrio tem tantas vantagens e que o cotidiano é gratificante quando as idéias revolucionárias partem de dentro de si, não ao contrário.

Imperfeição, desarmonia, erosão, explosão, incerteza. A beleza que se esconde em tudo que desconstrói ainda é beleza. E você nem sente e nem vê. Eu chorei por te ver expansivo por vontade e tão limitado por fraqueza. Eu chorei porque meu coração doeu por ir embora e ainda assim eu fui sentir o sol nascer, enquanto você pensava nele. E em mim.

sábado, 16 de outubro de 2010

Dúbio



Fica aqui que eu já vou indo
Volto não, deixo estar
Malas viciadas em estrada
Poltrona do lado vazia

Meu coração não é bússola, é âncora
Tem apego ao passado
Tem medo de altura
Tem fobia social

Não quero te levar comigo
Não posso ficar
Chora que passa
Eu choro às vezes

Coração que é sacana
Quer roubar, ser roubado
Tem memória fotográfica e auditiva
Tem vontade de gritar

Bato as portas antes de amanhecer
Porque coração é enganador
Posso vacilar e ficar um dia desses
Como você fica, como ele ficou




Casa Caiada



"Aprendi com a Matamba a jogar capoeira e dançar afoxé
Ser original, tocar berimbau e viver candomblé
Meu povo não nasceu para a senzala
Sou filho do Alafin de Oyo, Xangô
A liberdade é meu axé que fala
Kaô Kabessilè, Kaô"


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domingo, 10 de outubro de 2010

Ciranda Eterna




- Quer dançar comigo?




Dançaria a mesma música a vida inteira com você.



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

16 segundos


desejo (de-se-jo)

s. m.

Vontade de possuir ou fazer algo.

Apetite sexual.

Anseio, ambição.



Zela pelo silêncio do toque que fala

Tudo nele me chama

Boca, sílaba, falta de ar

Da janela a luz vacila

Brilha a pele suada

Reluz a retina

Ri dos passos na escada

Desliza as mãos nas mãos

Transcende a exaustão e o calor

De cada sonho derramado

De cada anseio vão

Se repete em escalas de obstinação

Entorpece o corpo em ondas

Renova, sofre, grita

Me redime os pecados

Me liberta da culpa

Me completa com amor

Me reduz a Sol