quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Inimigo declarado




O tempo passa na batida do meu silêncio
A cada vez que eu dou as mãos
A cada vez que eu as solto
Eu não me abalo pelo tempo, mesmo sendo impetuoso
Mesmo sendo desonesto
Eu assisto a confusão que me causa
Me leva e me traz, sem constância
Não, ele não me abala
Mesmo me atordoando com seus tantos nomes
Nomes esses que se repetem, que me confundem, que se perdem
Trago ainda na boca vazia um último beijo roubado
Ah, esses amores não matam, não engordam
Perduram numa última esperança de que se refaçam
Até que uma maré traga outro e tudo se renova, e se repete
Parece até um longo dia
Sol nascendo e se pondo
E mesmo na noite escura, mesmo com chuva eu estou lá
Pedindo ainda pra que me ouçam, que me vejam
Tudo isso torna o tempo apenas um medidor
Algo que se arrasta, mas não modifica
Dá o mínimo de alívio pra dor
Traz um conforto qualquer pra todo mal
Anestesia, adormece
Faz qualquer momento virar história
Faz qualquer pessoa virar saudade
Mas definitivamente não mata
Tudo que eu vejo, a vida, as pessoas
Tudo, tudo é escravo do medo de um tempo que só existe como barreiras
Até que venha algo melhor pra que ele enfim se aposente
E que seja respeitosamente substituído
Talvez tenhamos que esperar pelos tais escafandristas
Que encontrarão o amor que eu escondi no tic tac de um relógio

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Diz que me diz que fica


Desde que fui dele, nunca mais saiu de mim.
Eu convivo com o fato de tê-lo pelos cômodos da casa, no pé da escada e no final dela, entre cada parede, sentado na sala de jantar. Acordar já é quase que me certificar de que minha cama está vazia de pronto, que não houve nenhuma loucura noturna, nenhum desejo indecente, mas ainda é como se ele estivesse lá o tempo todo olhando pra mim dentro do espelho, marcando meus passos, contando minhas horas. Que dor, meu Deus, que dor!
Já procurei ajuda médica, rezei pra Deus, fui pro terreiro pedir pro santo, fiz promessa, fiz jejum, tomei remédio pra dormir, chorei. Quando tudo estava mais calmo, meu coração já andava batendo mais devagar, ele teimou em saltar de alguma gaveta e a casa voltou a se povoar dele, da sua música, da sua sombra e do vulto dos seus beijos, que me beijaram tantas vezes até a alma, que me enfeitaram tantas vezes e me vestiram todo o corpo.
Já não sei a quem pedir, de quem esperar, já não tenho mais força pra fugir e tirá-lo de vez de mim, mesmo andando pelos caminhos que não fizemos juntos, mesmo ouvindo as músicas que ele jamais me cantaria, mesmo girando os gelos do meu copo com os dedos, ele não sai e não sai. E é como se eu quisesse gritar, mas não saísse a voz, não ouso correr com o corpo exausto das noites em que passo correndo sem alcançá-lo.
Tenho perseguido uma idéia de um homem que não sei ao certo se corresponde à imagem que lhe pertence, tenho andado ocupada pelo labirinto da minha fantasia, porque só lá eu o vejo melhor, eu o tenho, isso quando não me foges galopando. Tenho uma fé duvidosa do motivo que teria pra entrar em minha vida e uma coragem audaciosa pra mantê-lo vivo por fios, por pura obstinação. Não tenho mais tempo pro resto, administrar os fragmentos dele me ocupa integralmente, são pequenos pedaços de mentiras sinceras, de amores perfeitos, tanto quanto impossíveis.
Não tenho mais vontade que ele saia de mim, nem por um momento, nem por esse momento, pois já não saberia lidar com minha própria vida se não fosse ele a me assistir.