quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Reflexo da margem





Tem um lado da margem
Que não vem, nem passa
Do lado da margem há só miragem
Atravessa rítmica e frouxa
Enquanto rola em deleite de estar
De ser a margem que é só miragem
Se escuro, ainda vê-se o lusco-fusco
Porque acende e apaga em mim, em você
Que não anda e é passagem
Só vai quem crê
Tem bicho, tem mato
E a água não é cristalina
De tanto espreitar já me sacou de antemão
Só vou de um lado pro outro
Porque ainda não sei nadar

sábado, 17 de setembro de 2011

Pra ouvir.

Eu sei que bairrismo pouco é bobagem, mas também sei que santo de casa faz milagre sim, principalmente os da minha casa:

Ouça, compartilhe, divulgue, sem moderação

http://soundcloud.com/marciopavesi
ou
http://www.myspace.com/marciopavesi

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Voodoo


Particípio: Costurado




Mão dessas de comer
Pra enfeitar um dia
Mas sem pressa
Por ora, sem pressa
Coze em mil banhos-maria
E ensaboa devagar
Deixa cerzir bonecas
Vira e mexe espeta o dedo
Vez ou outra erra
Espeta o peito, o pé
Deixa, deixa
Deixa que eles vêm assim
Parafraseando o que desconhecem
Acreditando reler a minha mão
Não a sua
Deixa que eles sigam
A saída cai na caixa de Pandora
E eles tiritam de medo
Nós não
Alinhava, alinhava
Deixa cobrir de branco
Deixa cobrir o rosto
Deixa cegar demorada, cônscia e devotamente
Onde tinjo de vermelho e ninguém vê
Onde regozijo e calo
Onde cuidadosamente trabalho sem dedal
Lambendo o dedo picado
Rindo, rindo
Doendo mais em você que em mim

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Eco


É só questão de tempo, que é tempo em tempo e o tempo vem.
Vem.





Ele voltou porque já ia voltar mesmo
Sem pressa ou desculpas
Ele voltou
E chegou mais manso e calado
Da calma que o tempo dá
E se aconchegou
De mão em mão nas minhas coxas
De coração na mão
Ele acordou
Como em qualquer domingo
De missa, sem trânsito
Ele partiu
E volta e volta e vem
Ele vem de volta
Um dia.

sábado, 18 de junho de 2011

Samba só




Sol esvaindo
Tempo regulamentar
Som que não se canta
Poesia que não se vê

Duas dimensões e dois ritmos
Vida que persegue, que acha, que perde
Mesmo lugar e nenhum vaso
Ele me deixou seguir

Casa vazia
Noite vazia
Vida vazia
Mesa pra mim



De novo. Enfim.

domingo, 10 de abril de 2011

Meu Norte




Só pra que fique claro, tem estrada pela frente e eu preciso seguir. Vou conhecer essas pessoas e todos esses lugares que o futuro reservou pra mim, é bem provável que eu vá pra longe, que mude de ideais e de planos, que chore de saudade e de medo, mas que isso me traga calma e auto-conhecimento também. Vou andar por aí, estampar na pele outras paixões, bagunçar meu cabelo e substituir aos poucos as cores das minhas roupas, vou experimentar outros sons e me sentir descobrindo a América de novo.

No meu passeio pela vida será bem natural que alguém me convide pra ficar, que eu fique, que construa uma casa branquinha de janela azul, dessas com varanda pra chamar as crianças pra jantar. Dessas casas que moram só dentro da gente, que podem ser qualquer prédio alto com monitoramento 24 horas. Pode ser também que a gente se engane e se perca, que custe a retomar o caminho da estrada desconhecida, repleta de lugares novos, pessoas novas e choro e riso. Mas isso também acontece, também é natural, mas a gente volta pro caminho.

É importante pra mim que isso tudo seja dito, pra que a gente possa tomar o rumo que quiser. Tem um ponto alto dessa jornada onde fica ancorado um barco pequeno e furado, não importa o rumo que eu tome, lá é o meu Norte. Quando estiver pronto, é só entrar no barco e eu voltarei de onde estiver pra remar contigo, pra nadar junto quando afundar. Nada em mim seria mais cônscio e mais devoto que isso, essa segurança de fazer tudo errado de coração aberto.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Os sapatos dela - C'est toi




Com um pouco de pressa, ela deixa cair o papel que anotou as pesquisas de um dia todo, em outros tempos ficaria zangada com isso, mas hoje em dia não. Ela era assim, era comum, dessas moças que cruzam com a gente no semáforo, que vão ao supermercado aos domingos, que esperam na fila do banco. No meio disso tudo, ela tinha alguma leveza imperceptível aos olhos duros de quem já não tem fé, e são muitos esses, mas era comum que a notassem ao passar desatenta e discreta, se não fossem pelos sapatos coloridos.


A vida era gentil e ela agradecia, tinha alcançado o mais absoluto estado de paz, apesar das contas mensais e da jornada de trabalho exaustiva, achava isso tudo o máximo, achava que era assim mesmo que tinha que ser; o mundo respondia desfazendo os nós enquanto ela pensava contraditória “Il y a toujours quelque choe d’abient qui me tourment “, e sorria de saber que isso fazia parte de sua própria natureza. Tinha aprendido a esperar e deixar a vida chegar mansa, o amor chegar sem pressa e sem medo, mas o fazia inconsciente, ela estava pronta pro que faltava.


Ele veio chegando atrapalhado, cheio de malas e sem dormir, tinha acabado de chegar na cidade. Estava cansado, com a cara amassada da viagem de ônibus, com pouco dinheiro no bolso e com um universo de possibilidades dessa mudança, veio buscar o muito de tudo que faltava nele, com disposição pra encarar qualquer tormenta.


Enquanto esperava o elevador, estudava a arquitetura do hall do novo prédio antigo buscando referências européias do século XVIII, foi quando ela chegou distraída com os fones de ouvido, com sapatos púrpura no elevador que ele esperava. Ela olhou e soube. Ele olhou e disse “Bom dia”, mas pensou “Il y a toujours quelque choe d’abient qui me tourment...maintenant je sais: c'est toi”.