terça-feira, 28 de setembro de 2010

Meu lugar


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Se for preciso eu deixo tudo pra trás: sonhos, amores, lembranças
Se for preciso eu deixo até mesmo aqueles que amo, que me amam e que eu sei
Se for preciso eu deixo metade da bagagem e minhas fotografias
Deixo todo o desgaste dessa ilusão em que vivemos
Quero mais meus pés na areia
Quero mais calor em casa
Ainda que a tristeza me visite vez ou outra
Ainda que a conquista não possa ser partilhada
Quero mais coração na mão
Quero mais estradas novas
Deixo todo o descaso que tanto me incomoda
Se for preciso eu deixo os livros e as luvas
Se for preciso eu deixo até metade de mim, pra me achar inteira em outro lugar
Se for preciso eu deixo só um bilhete escrito "Fui"

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Tem dessas coisas


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A proposta maior é seguir com novos erros, posto que errar com os mesmos é pra quem não gosta de arriscar. Erro certo não tem valor algum, é de mendigar noite a dentro.

Segue todo o curso fazendo um filme com fotografia em macro, foram tantas e tantas cenas, houve salsa de madrugada, houve cantiga de ninar pelas 2 da tarde, houve um "Eu nego" persuasivo. Teve domingo em que eu não pude dormir tamanho o riso, ele do lado cantando temas de novelas mexicana, eu ajudando ritmando no som do próprio corpo como se eu fosse assim um tamborim.

Bateu uma saudade de nós, disso e daquilo outro. Mas você não aparece mais por aí como costumava fazer, eu já não te ligo com qualquer desculpa como já fiz por paixão. Simplesmente não nos falamos, não nos vemos. E o que fomos, fomos. Mas a saudade, a saudade ainda é. Será que pensamos nisso em dias como hoje?

Que outro motivo, senão esse, seria capaz de me levar a conhecer o samba de breque e o frenético dedilhar de outra viola? Saiba que quando eu ouvi aquela viola me senti traindo, quando aquele lá abriu a boca me cantando a sua música, eu quase chorei. Mas como você deve saber de mim, eu sorri mostrando os dentes e acompanhei a letra, desafinada que só.

Será que foi num devaneio desses em busca de você que eu me deixei levar a outra cidade? Me deixei conquistar com pouca verdade? Me entreguei de cabeça como não se usa mais fazer?

Ah, mas então os nossos erros foram válidos desde sempre e há 420 dias, ou mais, ou quando eles eram só planos de errar (feio) num dia assim sem compromisso, feito ontem. A busca pelo novo erro é uma forma inconsciente de amenizar a falta que me faz ouvir você reclamar "Pois é, pois é", de você acalmar meu pesadelo "Passou, passou", de você conjugar meus verbos inventados "Eu gudunho, tu gudunhas...É assim, né? Com 'u'?", enquanto eu ria e pensava "Cala a boca, rapaz!"

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Mesmo longe, Sampa


Olhando daqui de cima não se vê muito além de pequenas luzes, como as do meu quintal, onde fico pensando pra onde estariam indo aqueles no avião. Invejando a viagem. Como se quem voa não pensasse em quem está aconchegado em casa. Invejando a chegada.


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Já passou bastante tempo desde o embarque e ainda estou longe de chegar, não sei dizer onde exatamente estou agora, mas daqui dá pra ver que só tem água lá embaixo. Consegui até cochilar um pouco, é, acordava e nem abria o olho na esperança de apagar de novo, mas essa coisa toda pela metade aqui me incomoda muitíssimo: a comida meio fria, a bebida meio quente, a meia-luz, o silêncio meio irritado e até o conforto só é conseguido na primeira meia hora. Contribuo com a claridade acendendo aquela lâmpada mal regulada destinada à minha poltrona, procuro meu Garcia Marques na bolsa e noto só então que o coloquei dentro da mala, me sobrou o mp4 velho de guerra, pego e apago a luz.

A maior parte das pessoas sentadas próximas a mim parece estar sozinha, me passa até um certo conforto quando as vejo satisfeitas em suas próprias companhias, como se essa lata de sardinha fosse um spa e nós, intocáveis e suficientes. Eu não. Gosto da boa companhia de amigos de outros carnavais, dos cafés madrugueiros. Gosto até de andar por aí, esbarrando desconhecidos, mas com os pés no chão. Gosto da minha calma, de vestido estampado, instalada em meio ao caos, engravatado.

Fica inevitável lembrar dos fins de festa, do frio absurdo que sempre passo por não levar casaco, mas nada parecido com esse ar-condicionado ressecando a minha garganta. Eu falo daquelas noites em que eu saía suada de tanto dançar, do pastel da feira no domingo pós balada, até o Estadão passou a fazer falta. Não acredito que disse isso. Até o Estadão!

Não tenho medo do novo, acho que sempre vai ser bom, o meu problema maior é deixar as coisas sempre inacabadas. Acho que o que me apavora é o fim das coisas. Queria, sei lá, viver tudo ao mesmo tempo sem respeitar a ordem cronológica, sem pensar que eu também acabo um dia. Deixo sempre pra dizer as coisas depois, como se tudo estivesse no mesmo lugar em que vi pela última vez, como se fosse ficar esperando pra sempre a minha coragem chegar pra eu dizer o que já me vinha sendo amadurecido na idéia por tanto tempo. O tempo acaba levando essas chances também.

Tem tempo já que não ouço Caetano, mas o fone de ouvido me surpreendeu com "Sampa". Pensei dessa vez numa segunda-feira de manhã, onde o meu silêncio era tão incômodo quanto ao daqui, não sei se a pressa vinha do relógio ou de mim, sei só que era latente e visível. Ele ainda quis parar pra um café, puxou assunto, não dei pelota. Eu sei que me importava com tudo o que ele dizia, até porque era divertido vê-lo todo embaraçado com a minha apatia, mesmo assim eu precisava ir embora. Sabia que tinha estrada pra pegar ainda por cima, que o trânsito já estava a sucursal do inferno, mas também sabia que 5 minutos não fariam a menor diferença pra quem já ia chegar atrasada de qualquer forma. Ainda assim não deixei que ele falasse tudo, interrompi a frase num beijo seco e disse "Eu sei sair daqui", já que íamos por caminhos opostos. Agora sim eu começo a me sentir um gênio, sei disso, daquilo e daquilo outro. Só não consigo me responder o que é que ele esperou quando deu dois passos pra frente e virou, ficando parado me olhando ir embora. Ele não sabe, mas eu vi tudo pelo reflexo dos meus óculos de sol, enquanto eu os tirava da caixinha pra esconder a minha cara. Me pergunto agora o por quê de não ter voltado e dito o quanto aqueles dias foram bons, o quanto eu me importava com ele, devia ter desejado um bom dia no lugar de mais um "Eu sei", devia ter dado um beijo bom e um abraço apertado pra ouvir então o que ele tanto queria me dizer, mesmo sabendo que nos encontraríamos logo. Não ter voltado talvez tenha mudado tudo, pois como ele mesmo me disse semanas mais tarde "Você não me vê". Eu via, só não falava. Lembro até do que eu disse ter esquecido, esses dias atrás.

Medo. Tempo. Aqui em cima isso soa até irônico. Ao passo que fechos os olhos tentando um novo cochilo, o vejo lá parado de jeans surrado e casaco vermelho, esperando sem pressa que eu volte e continue de onde parei. Enquanto isso, o Caetano fica aqui pra me lembrar que "alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João". Onde eu continuei a andar sem olhar pra trás.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Tem dó

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Mulher sem poesia deseja nó,
não fala a palavra laço
e não confeita pão de ló.



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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Nubla noite e sai de mim

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Aqui não é proibido fumar, acende o seu
Senta, puxa aí uma cadeira
O bar é o mesmo de outros tempos
Me olha, mas não diretamente, me espia
Pelo vão da porta, buraco de fechadura
Repara o movimento da minha saia
Indo, vindo, rodando
Sente o medo te tomando os sentidos
Fala alguma besteira que me faça rir
Assiste quem chega se aproximar de mim
Confere a hora no seu relógio
Vê se te apressa antes que me roubem a atenção
Deixa subentendido em verso cada desejo teu
De me tirar daqui, de me tirar a roupa
Entre um trago e outro, sai mais um
Dando mais espaço pra nossa falta de ar
Te dou 5 minutos pra me convencer a ficar
Te dou a mão, o colo
Não perca tempo enchendo meu copo
A vodka sempre fez mais efeito em você
Nem tem mais estrela no céu
É hora de ir - pra onde?
Vem comigo que eu te conto mais de mim
Falo dos lugares que eu andei até chegar aqui
Pra ter suas mãos me marcando os braços
Tem pressa, não
Se o quarto tá escuro ainda é noite
Te dou meu beijo, meu calor
Quando o cansaço bater, escolhe
Pode ir embora se quiser
Eu não choro
Mas se ficar eu te prometo, moreno
Te dou a vida, a calma e o mar

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Amores Gris

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Vez outra outra a saudade aparece, me esgota e se renova nessa busca impossível das coisas que não voltam mais, e que repetimos contínua e erroneamente alimentando tantas outras saudades a não serem jamais saciadas.




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Tinta que seca e sai da pele
Será que você é feito dessa tinta?
Nenhum respingo em mim lembrava o teu cinza
Cinza do céu de São Paulo, de roupa desbotada
Aquele cinza comum de quem não sofre mais
Será que você é feito dessa tinta?
Já ria da calma do vermelho e do amarelo
Das mãos, pernas e pés coloridos
Sem esforço, a água apagou todas as cores
Será que você é feito dessa tinta?
Tua cor ficou estampada nas fotos em preto e branco
Foi te procurando que me achei na sua rede
Vendo todas as variações de cinza que você deixou em mim
Será que você é feito dessa tinta?
Eu que saía louca espalhando meu arco-íris
Acendendo o sol pra te dourar a pele
Pareço não ter deixado nada das minhas cores
Será que eu sou feita dessa tinta?
Tinta que seca e sai da pele

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fôlego

Tomei coragem num "Deus, me guia" e botei a boca no mundo.




Foi olhando o movimento dos carros, do alto da sacada do prédio, que eu notei o quanto o tempo nos leva, dia a dia, pouco a pouco. Aqueles que estavam por um triz já não cruzam mais o mesmo destino, as agendas não se encontram e de repente o fim de semana em casa parece ser o melhor programa. A percepção aumentou com esses últimos meses atômicos, qualquer cheiro de café vem acompanhado de lembrança, qualquer coisa, qualquer canto. Até o chão da casa antiga fez falta de manhã, o mesmo lado da cama e o mesmo sol atrapalhando meu sono diurno.
O real é o que fica ou o que me divide?
E tudo o que via era o real se desmanchando na minha frente, feito tinta, feito a fumaça do meu cigarro. De tudo o que era real, me sobrou algo que me segue e ilumina, mas do que ainda me acompanha sei muito pouco a respeito. Até as ruas que eu conhecia andaram mudando de lugar e nessa cidade já não acho mais nada que me remeta a algum sonho antigo.
Tenho acompanhado minha vida mudar ativamente, entre duas da manhã e três da tarde, no resto do tempo transformo o som dando à tapa outras caras até já batidas, como se fosse cada dia um dia novo. Como enfim deveria ser.
O que é bonito então é tudo aquilo em transição, o corpo itinerante, a passagem de ida, o caos do desencontro, a lua semi-exposta. Toda paixão e todo grito me são belos, toda a desarmonia do amor e cada punho fechado. Onde morar a perfeição eu não piso, porque hoje eu quero quebrar todos o vidros com minha rouquidão absurda, quero ver nascer rosa e manjericão que eu plantei ainda ontem, quero sobretudo que me captem no que eu calo, não porque dói - porque não dói-, mas por eu só me deixar ler por aí.





E logo depois de gritar tudo o que eu realmente pensava, depois de dizer que guardei amor pra não dividir, passou. Passou por mim e por você como neblina, passou assim, como se nunca tivesse existido.