sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

E eu ainda te espero voltar



Calma,
é só minha mão na sua palma
é só meu corpo na sua alma.
Mas se acalma, amor, se acalma.
Tem paciência comigo,
eu passo já.
Como você passa
desperto e aflito.
Eu passo, amor, eu passo logo.
Saio tão cedo da sua vida
que o sol quase não me vê.
Eu nem me vejo na sua retina,
saio inteira de você.
Saio metade de mim.


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Sobre nós dois





Só tem amor em mim,
não importa por qual poro procure.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Anatômico

Deita e amassa
Encaixa seu braço no meu
Me toca de leve
Me canta, me canta!
Desconstrói o dia em chuva e preguiça
Colo e carinho e café
Pelo céu nem parece noite
O sol mora em mim
É a cidade e é ele
Macio, suave, delicado
Feito mimo de bicho
Feito chamego de avô
É meu amor refletido no seu peito
É minha calma na ponta dos seus dedos

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Reverso

Entre um carro e outro que passavam sem dar trégua a voz dele dava voltas no quarteirão, inundando minha cabeça de pensamentos soltos e vagos, procurava entender as palavras por trás das palavras dele e não encontrava o que pousasse em colo, nem as mãos nas mão. Era um centímetro, era um segundo e era nada com xícaras já vazias. E era o filme e o artigo do jornal, de repente era eu em pauta; era um "eu" que nunca existiu. Penso que definitivamente ele me procura onde eu não estou.

Não sei se Deus compartilhou comigo a tristeza, mas um dia tão lindo quanto hoje se fez chover, me dando a sensação de ser a fonte desse lamento, a cidade toda parecia sentir doer o descaso agudo dele. Ou era só cansaço. Ou era só chuva. Talvez também fosse só ele nele e eu já sem mim. Não sei.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Te leva, me traz


"Volta e torce o nó
Tece a cama
Muda a onda de lado"





Anda sorrateiro por esses corredores
Aqui é sol pra não dormir
Ele vem e fecha a janela
Quase esquece que não sei o caminho
Quase me deixa pra trás
Sigo por instinto e teimosia
Tenho febre
Será que é ele de novo?
Será que é novo?
A rosa por dentro é atômica
E é o sofá e é a tevê
E sou eu de onde você não vê e nem sente
Tem Chico mais tarde, pra almoçar
E na janta tem sopa de letrinhas
Hoje quando acordei pensei que ele estaria por perto
Mas acabei encontrando-o dentro de mim

domingo, 21 de novembro de 2010

Por onde ela não vê

Mais um dia que ia embora e Cecília não havia tido coragem, pensava que deixara escapar outra chance de dizer de uma vez por todas que iria embora. Sentada nos fundos da casa e fumando escondida, refez sua promessa de que amanhã esclareceria tudo, remontou o mesmo texto que deixaria Paulo sem atitudes a tomar e era perfeito sair assim sem culpa. Reavaliou o estado de suas malas e escolheu levar apenas seus pertences, primeiro porque não queria levar lembranças da casa, depois porque não caberia tudo na casa de sua amiga onde ficaria até encontrar um novo apartamento só seu.

Apanhou a garrafa de vinho que havia comprado na última viagem que fizeram e abriu, um tanto por birra, outro tanto por sentir que deveria comemorar essa mudança. A partir de agora a vida teria mais sentido e mais cor, fechava os olhos e sorria docemente ao imaginar as noites em que passaria longe dali. Era quase uma alforria de sua alma que reclamava tanto por mais liberdade, chegou a pensar por um momento que Paulo não a impedia que fizesse o que queria, mas a obrigação vinha dela, sentia que tinha mil deveres e isso sim já tinha se tornado inaceitável pra todo o desprendimento.

Esperou o resto da noite e acabou por pegar no sono já com malas feitas, acontece que Paulo não voltou aquela noite. Cecília sentiu um certo alívio momentâneo ao ver que a casa estava vazia, pois bebeu além da conta e deixou a taça tombar no tapete da sala; perdeu a manhã tirando a mancha e novamente se postou a esperar, e esperou. Paulo nunca voltou.

domingo, 14 de novembro de 2010

2 e Meio


Rádio ligado
Cortina improvisada
Ele não está mais lá
Janela fechada
Rua sem saída
Amor que não se deu
Cheiro de chuva
Coca-cola e saudade





quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Pertinência



E se eu voltasse?
Voltaríamos ao que paramos
Ou voltaríamos a começar?


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Em abril, em outubro.

Confabulávamos por horas sobre o que faríamos quando eles não estivessem mais por perto; eles que atrapalhavam tanto nossos planos e que não entendiam nossas urgências. Nós mentimos, roubamos, pulamos o portão rezando pra que o cachorro não se alarmasse, mas nosso muro maior ainda eram eles.

Respeito e medo se confundiam com as vozes em tom tão grave, os olhos vigiavam cada passo nosso nas trilhas falsas que tomávamos sem nos perceber da gravidade, o que nos rendeu memórias de verões sem fim nas velhas casas com janelas barulhentas que abríamos com muito zelo pra escapar durante a noite.

Crescendo dia a dia e foi assim que a vida foi nos levando, até chegar naquele abril e tudo parar no tempo de um dezembro vazio, de sonho estranho. Como se aquelas férias ficassem pra trás e a cidade já quase não existisse. Hoje ao fechar os olhos me lembro tão somente da árvore imensa que abrandava o calor e que fazia sombra na casa dela pelas 4 da tarde. Já não os vejo mais, nem na rede e nem nos procurando, a voz já não nos chama e tudo faz bem pouco sentido.

O tempo, embora sempre tão relativo, nos deu chances suficientes pra que víssemos a proteção que eles nos davam, que a vigilância exacerbada era mais uma das muitas formas de amor. Me pergunto sempre se retribuí a todo esse carinho, porque hoje já não dá mais tempo.





Perder seu pai hoje foi como perder o meu de novo, me ver percorrendo em silêncio aquele caminho às cegas que fiz guiada por tua mão e carregando ele na outra. Foi doer mais uma vez minha saudade pensando no tamanho da sua dor que não passa. Foi ver a minha sala e a tua vazias, foi ouvir os ecos que eles deixaram com ordens de "Toma cuidado" e "Não sai sem jantar". Perder seu pai hoje foi como descobrir de novo o quanto deles tem em nós e pedir que eles nos olhem de cima como águias pra sempre.

E agora que eles não estão mais por perto, minha amiga, não dá pra fugir deles que estão em nós. Não dá pra fugir de nós. Essa é a melhor parte deles, a que fica.



domingo, 17 de outubro de 2010

Pequenos Prazeres




Você me falou de ver o sol nascendo devagar enquanto as pessoas corriam atrás do dia, logo você que sempre vê o sol surgindo além da noite me veio com essa conversa no meio de um nascer do sol. Mais uma manhã que você perdeu pensando enquanto a vida acontecia.

Filhos crescendo, chuva chegando e você não entende que é disso que eu me alimento, não sai de dentro do casulo nem quando dá a cara pra bater na rua que atravessa sem olhar. Toda essa camada de cor que te envolve é só tinta, você nem presta a devida atenção ao redor, nem nota quantas vezes o seu coração bate ou apanha dentro do peito.

Seu descaso é medo do fracasso? Me explica isso direito, porque entre um devaneio e outro eu só entendi que aquele coração que eu pintei na sua parede branca, bate, mas que você aumenta o som pra não escutar.

Não se iluda, quando me viu chorar foi de tristeza por você não ver as delícias da vida, por não notar como o ócio pode ser produtivo, por não entender que ficar sóbrio tem tantas vantagens e que o cotidiano é gratificante quando as idéias revolucionárias partem de dentro de si, não ao contrário.

Imperfeição, desarmonia, erosão, explosão, incerteza. A beleza que se esconde em tudo que desconstrói ainda é beleza. E você nem sente e nem vê. Eu chorei por te ver expansivo por vontade e tão limitado por fraqueza. Eu chorei porque meu coração doeu por ir embora e ainda assim eu fui sentir o sol nascer, enquanto você pensava nele. E em mim.

sábado, 16 de outubro de 2010

Dúbio



Fica aqui que eu já vou indo
Volto não, deixo estar
Malas viciadas em estrada
Poltrona do lado vazia

Meu coração não é bússola, é âncora
Tem apego ao passado
Tem medo de altura
Tem fobia social

Não quero te levar comigo
Não posso ficar
Chora que passa
Eu choro às vezes

Coração que é sacana
Quer roubar, ser roubado
Tem memória fotográfica e auditiva
Tem vontade de gritar

Bato as portas antes de amanhecer
Porque coração é enganador
Posso vacilar e ficar um dia desses
Como você fica, como ele ficou




Casa Caiada



"Aprendi com a Matamba a jogar capoeira e dançar afoxé
Ser original, tocar berimbau e viver candomblé
Meu povo não nasceu para a senzala
Sou filho do Alafin de Oyo, Xangô
A liberdade é meu axé que fala
Kaô Kabessilè, Kaô"


.

domingo, 10 de outubro de 2010

Ciranda Eterna




- Quer dançar comigo?




Dançaria a mesma música a vida inteira com você.



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

16 segundos


desejo (de-se-jo)

s. m.

Vontade de possuir ou fazer algo.

Apetite sexual.

Anseio, ambição.



Zela pelo silêncio do toque que fala

Tudo nele me chama

Boca, sílaba, falta de ar

Da janela a luz vacila

Brilha a pele suada

Reluz a retina

Ri dos passos na escada

Desliza as mãos nas mãos

Transcende a exaustão e o calor

De cada sonho derramado

De cada anseio vão

Se repete em escalas de obstinação

Entorpece o corpo em ondas

Renova, sofre, grita

Me redime os pecados

Me liberta da culpa

Me completa com amor

Me reduz a Sol

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Meu lugar


.




Se for preciso eu deixo tudo pra trás: sonhos, amores, lembranças
Se for preciso eu deixo até mesmo aqueles que amo, que me amam e que eu sei
Se for preciso eu deixo metade da bagagem e minhas fotografias
Deixo todo o desgaste dessa ilusão em que vivemos
Quero mais meus pés na areia
Quero mais calor em casa
Ainda que a tristeza me visite vez ou outra
Ainda que a conquista não possa ser partilhada
Quero mais coração na mão
Quero mais estradas novas
Deixo todo o descaso que tanto me incomoda
Se for preciso eu deixo os livros e as luvas
Se for preciso eu deixo até metade de mim, pra me achar inteira em outro lugar
Se for preciso eu deixo só um bilhete escrito "Fui"

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Tem dessas coisas


.
A proposta maior é seguir com novos erros, posto que errar com os mesmos é pra quem não gosta de arriscar. Erro certo não tem valor algum, é de mendigar noite a dentro.

Segue todo o curso fazendo um filme com fotografia em macro, foram tantas e tantas cenas, houve salsa de madrugada, houve cantiga de ninar pelas 2 da tarde, houve um "Eu nego" persuasivo. Teve domingo em que eu não pude dormir tamanho o riso, ele do lado cantando temas de novelas mexicana, eu ajudando ritmando no som do próprio corpo como se eu fosse assim um tamborim.

Bateu uma saudade de nós, disso e daquilo outro. Mas você não aparece mais por aí como costumava fazer, eu já não te ligo com qualquer desculpa como já fiz por paixão. Simplesmente não nos falamos, não nos vemos. E o que fomos, fomos. Mas a saudade, a saudade ainda é. Será que pensamos nisso em dias como hoje?

Que outro motivo, senão esse, seria capaz de me levar a conhecer o samba de breque e o frenético dedilhar de outra viola? Saiba que quando eu ouvi aquela viola me senti traindo, quando aquele lá abriu a boca me cantando a sua música, eu quase chorei. Mas como você deve saber de mim, eu sorri mostrando os dentes e acompanhei a letra, desafinada que só.

Será que foi num devaneio desses em busca de você que eu me deixei levar a outra cidade? Me deixei conquistar com pouca verdade? Me entreguei de cabeça como não se usa mais fazer?

Ah, mas então os nossos erros foram válidos desde sempre e há 420 dias, ou mais, ou quando eles eram só planos de errar (feio) num dia assim sem compromisso, feito ontem. A busca pelo novo erro é uma forma inconsciente de amenizar a falta que me faz ouvir você reclamar "Pois é, pois é", de você acalmar meu pesadelo "Passou, passou", de você conjugar meus verbos inventados "Eu gudunho, tu gudunhas...É assim, né? Com 'u'?", enquanto eu ria e pensava "Cala a boca, rapaz!"

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Mesmo longe, Sampa


Olhando daqui de cima não se vê muito além de pequenas luzes, como as do meu quintal, onde fico pensando pra onde estariam indo aqueles no avião. Invejando a viagem. Como se quem voa não pensasse em quem está aconchegado em casa. Invejando a chegada.


.
.

Já passou bastante tempo desde o embarque e ainda estou longe de chegar, não sei dizer onde exatamente estou agora, mas daqui dá pra ver que só tem água lá embaixo. Consegui até cochilar um pouco, é, acordava e nem abria o olho na esperança de apagar de novo, mas essa coisa toda pela metade aqui me incomoda muitíssimo: a comida meio fria, a bebida meio quente, a meia-luz, o silêncio meio irritado e até o conforto só é conseguido na primeira meia hora. Contribuo com a claridade acendendo aquela lâmpada mal regulada destinada à minha poltrona, procuro meu Garcia Marques na bolsa e noto só então que o coloquei dentro da mala, me sobrou o mp4 velho de guerra, pego e apago a luz.

A maior parte das pessoas sentadas próximas a mim parece estar sozinha, me passa até um certo conforto quando as vejo satisfeitas em suas próprias companhias, como se essa lata de sardinha fosse um spa e nós, intocáveis e suficientes. Eu não. Gosto da boa companhia de amigos de outros carnavais, dos cafés madrugueiros. Gosto até de andar por aí, esbarrando desconhecidos, mas com os pés no chão. Gosto da minha calma, de vestido estampado, instalada em meio ao caos, engravatado.

Fica inevitável lembrar dos fins de festa, do frio absurdo que sempre passo por não levar casaco, mas nada parecido com esse ar-condicionado ressecando a minha garganta. Eu falo daquelas noites em que eu saía suada de tanto dançar, do pastel da feira no domingo pós balada, até o Estadão passou a fazer falta. Não acredito que disse isso. Até o Estadão!

Não tenho medo do novo, acho que sempre vai ser bom, o meu problema maior é deixar as coisas sempre inacabadas. Acho que o que me apavora é o fim das coisas. Queria, sei lá, viver tudo ao mesmo tempo sem respeitar a ordem cronológica, sem pensar que eu também acabo um dia. Deixo sempre pra dizer as coisas depois, como se tudo estivesse no mesmo lugar em que vi pela última vez, como se fosse ficar esperando pra sempre a minha coragem chegar pra eu dizer o que já me vinha sendo amadurecido na idéia por tanto tempo. O tempo acaba levando essas chances também.

Tem tempo já que não ouço Caetano, mas o fone de ouvido me surpreendeu com "Sampa". Pensei dessa vez numa segunda-feira de manhã, onde o meu silêncio era tão incômodo quanto ao daqui, não sei se a pressa vinha do relógio ou de mim, sei só que era latente e visível. Ele ainda quis parar pra um café, puxou assunto, não dei pelota. Eu sei que me importava com tudo o que ele dizia, até porque era divertido vê-lo todo embaraçado com a minha apatia, mesmo assim eu precisava ir embora. Sabia que tinha estrada pra pegar ainda por cima, que o trânsito já estava a sucursal do inferno, mas também sabia que 5 minutos não fariam a menor diferença pra quem já ia chegar atrasada de qualquer forma. Ainda assim não deixei que ele falasse tudo, interrompi a frase num beijo seco e disse "Eu sei sair daqui", já que íamos por caminhos opostos. Agora sim eu começo a me sentir um gênio, sei disso, daquilo e daquilo outro. Só não consigo me responder o que é que ele esperou quando deu dois passos pra frente e virou, ficando parado me olhando ir embora. Ele não sabe, mas eu vi tudo pelo reflexo dos meus óculos de sol, enquanto eu os tirava da caixinha pra esconder a minha cara. Me pergunto agora o por quê de não ter voltado e dito o quanto aqueles dias foram bons, o quanto eu me importava com ele, devia ter desejado um bom dia no lugar de mais um "Eu sei", devia ter dado um beijo bom e um abraço apertado pra ouvir então o que ele tanto queria me dizer, mesmo sabendo que nos encontraríamos logo. Não ter voltado talvez tenha mudado tudo, pois como ele mesmo me disse semanas mais tarde "Você não me vê". Eu via, só não falava. Lembro até do que eu disse ter esquecido, esses dias atrás.

Medo. Tempo. Aqui em cima isso soa até irônico. Ao passo que fechos os olhos tentando um novo cochilo, o vejo lá parado de jeans surrado e casaco vermelho, esperando sem pressa que eu volte e continue de onde parei. Enquanto isso, o Caetano fica aqui pra me lembrar que "alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João". Onde eu continuei a andar sem olhar pra trás.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Tem dó

.



Mulher sem poesia deseja nó,
não fala a palavra laço
e não confeita pão de ló.



.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Nubla noite e sai de mim

.










Aqui não é proibido fumar, acende o seu
Senta, puxa aí uma cadeira
O bar é o mesmo de outros tempos
Me olha, mas não diretamente, me espia
Pelo vão da porta, buraco de fechadura
Repara o movimento da minha saia
Indo, vindo, rodando
Sente o medo te tomando os sentidos
Fala alguma besteira que me faça rir
Assiste quem chega se aproximar de mim
Confere a hora no seu relógio
Vê se te apressa antes que me roubem a atenção
Deixa subentendido em verso cada desejo teu
De me tirar daqui, de me tirar a roupa
Entre um trago e outro, sai mais um
Dando mais espaço pra nossa falta de ar
Te dou 5 minutos pra me convencer a ficar
Te dou a mão, o colo
Não perca tempo enchendo meu copo
A vodka sempre fez mais efeito em você
Nem tem mais estrela no céu
É hora de ir - pra onde?
Vem comigo que eu te conto mais de mim
Falo dos lugares que eu andei até chegar aqui
Pra ter suas mãos me marcando os braços
Tem pressa, não
Se o quarto tá escuro ainda é noite
Te dou meu beijo, meu calor
Quando o cansaço bater, escolhe
Pode ir embora se quiser
Eu não choro
Mas se ficar eu te prometo, moreno
Te dou a vida, a calma e o mar

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Amores Gris

.
Vez outra outra a saudade aparece, me esgota e se renova nessa busca impossível das coisas que não voltam mais, e que repetimos contínua e erroneamente alimentando tantas outras saudades a não serem jamais saciadas.




.





Tinta que seca e sai da pele
Será que você é feito dessa tinta?
Nenhum respingo em mim lembrava o teu cinza
Cinza do céu de São Paulo, de roupa desbotada
Aquele cinza comum de quem não sofre mais
Será que você é feito dessa tinta?
Já ria da calma do vermelho e do amarelo
Das mãos, pernas e pés coloridos
Sem esforço, a água apagou todas as cores
Será que você é feito dessa tinta?
Tua cor ficou estampada nas fotos em preto e branco
Foi te procurando que me achei na sua rede
Vendo todas as variações de cinza que você deixou em mim
Será que você é feito dessa tinta?
Eu que saía louca espalhando meu arco-íris
Acendendo o sol pra te dourar a pele
Pareço não ter deixado nada das minhas cores
Será que eu sou feita dessa tinta?
Tinta que seca e sai da pele

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fôlego

Tomei coragem num "Deus, me guia" e botei a boca no mundo.




Foi olhando o movimento dos carros, do alto da sacada do prédio, que eu notei o quanto o tempo nos leva, dia a dia, pouco a pouco. Aqueles que estavam por um triz já não cruzam mais o mesmo destino, as agendas não se encontram e de repente o fim de semana em casa parece ser o melhor programa. A percepção aumentou com esses últimos meses atômicos, qualquer cheiro de café vem acompanhado de lembrança, qualquer coisa, qualquer canto. Até o chão da casa antiga fez falta de manhã, o mesmo lado da cama e o mesmo sol atrapalhando meu sono diurno.
O real é o que fica ou o que me divide?
E tudo o que via era o real se desmanchando na minha frente, feito tinta, feito a fumaça do meu cigarro. De tudo o que era real, me sobrou algo que me segue e ilumina, mas do que ainda me acompanha sei muito pouco a respeito. Até as ruas que eu conhecia andaram mudando de lugar e nessa cidade já não acho mais nada que me remeta a algum sonho antigo.
Tenho acompanhado minha vida mudar ativamente, entre duas da manhã e três da tarde, no resto do tempo transformo o som dando à tapa outras caras até já batidas, como se fosse cada dia um dia novo. Como enfim deveria ser.
O que é bonito então é tudo aquilo em transição, o corpo itinerante, a passagem de ida, o caos do desencontro, a lua semi-exposta. Toda paixão e todo grito me são belos, toda a desarmonia do amor e cada punho fechado. Onde morar a perfeição eu não piso, porque hoje eu quero quebrar todos o vidros com minha rouquidão absurda, quero ver nascer rosa e manjericão que eu plantei ainda ontem, quero sobretudo que me captem no que eu calo, não porque dói - porque não dói-, mas por eu só me deixar ler por aí.





E logo depois de gritar tudo o que eu realmente pensava, depois de dizer que guardei amor pra não dividir, passou. Passou por mim e por você como neblina, passou assim, como se nunca tivesse existido.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Duas Aspirinas

.
De ambos os lados o café é forte e as notícias resumidas em cada página virada do jornal.
Ele aperta sem paciência o botão do elevador, dá "bom dia" aos vizinhos estranhos, enquanto ela sai depressa de óculos escuros, andando pela rua como se ninguém mais existisse.





.

Sai daqui, some!
Vê se desaparece da minha vida
Leva com você as tralhas
Discos, livros e a viola
Não quero topar com seu maço de cigarros pelo chão
Não quero mais saber da sua t.v. que não funciona
Pega seu caminho e vai!
Leva seu sobrenome e sua foto em preto e branco
E não se esqueça dos óculos de sol,
Senão eu quebro
Não quero mais saber das noites mal dormidas
Não quero mais domingos de edredon
Anda, foge de casa!
Leva o carinho guardado
Leva o sorriso aberto e o abraço contido
Cada palavra não dita,
O orgulho e a preguiça matinal
Quero abrir as janelas pro seu perfume sair
Vou me livrar das suas manias
Vou me salvar do nosso futuro
Leva as discussões que não teremos
Anda, rapaz!
Leva tudo o que for de direito
Carrega pra longe as suas dúvidas
Põe na sua mala a fitinha do Senhor do Bonfim
Muda daqui,
Mas muda pra longe!
Que eu não sou obrigada a te encontrar por aí
Que eu não quero mais te ouvir cantar
Leva seus papéis e o seu livro inacabado
Se deixar pra trás, eu queimo
Todo o resto eu atiro pela sacada
Copos, pratos, mesinha do café da manhã
Sai e fecha a porta!
Corre pra casa da sua mãe
Diz que eu não presto
Diz que eu não sou honesta nas paixões
Conta pra todo mundo que meu jogo é sujo
Bebe até cair, até morrer!
Se apressa, vai
Que eu estou só esperando você ir pra eu poder desabar
Que eu estou mordendo a boca pra não tremer o queixo
Leva a minha dor, meu coração, meu ar
Deixa comigo as lembranças e o cinzeiro
Deixa comigo a culpa da sua falta de amor
Deixa só o que não vai te fazer falta
Me deixa.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Pois é, pra quê?

E cada aparição sua, instalava de pronto o caos por todo o meu corpo, enquanto acalantava minha alma. Enquanto roubava meu coração.







.



Quem é esse rapaz de vida quadrada?
Será que ele samba quadrado também?
Será?
Pra quem ele arruma a casa tão cedo?
Pra quem ele escolhe o tapete e o sofá?
Será que ele dorme pensando em alguém?
Será?
Por que ele insiste no quadro de horários?
Por que faz cardápios balanceados?
Será que ele pensa que é velho?
Será?
Que humor ele tem quando acorda?
Que cheiro ele tem no pescoço?
Será que ele se perde na rua?
Será?
Como é quando está em família?
Quando abre a janela do quarto?
Será que ele esquece de trancar a porta?
- Alarmou o carro, rapaz?
Será?
Que gosto conserva as palavras na boca?
Quando é que ele fala mal de alguém?
Será que ele reza? Que sonha?
Será?
Quando vai se cansar dos papéis na parede?
Pra quem ele conta mentiras?
Será que ele sai sem o guarda-chuva?
Será?
Pra quem ele é ou não é?
Quando é que ele sente medo?
Será que ele marca seu tempo?
Será?
Por que ele anda apressado?
Por que ele canta sozinho?
Será que ele sabe os segredos de alguém?
Será?
Pra quem ele chora as pitangas?
Com quem ele corta um dobrado?
Será que ele acha pecado saber do amor sem ninguém?
Será?
Por que não me pede colo?
Por que não me cega e me beija?
Será que um dia desses a gente se ajeita?
Será?
Não sei.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Amélia






Os livros iam se empilhando na mesinha de cabeceira e ela de repente pensa nas mil possibilidades que teria, levando a vida de qualquer um deles.

Amélia não era uma dessas que sonha à toa, que escreve o próprio nome em páginas brancas e constitui lindas famílias imaginárias, através de sobrenomes postos ao lado do seu. Se resumia "Amélia" para não narrar grandes explicações, mas guardava seu segredo no registro de nascimento: Maria Amélia Elizabeth Couto e Albuquerque. Mas preferia ser só Amélia. E tão Amélia!

Não era doce nem amarga, trabalhava demais e se divertia com tudo o que não fosse cotidiano. Amores? Só à distância. Era mais fácil controlar relações sem futuro que simplesmente assumir e causar problemas a si mesma. Tinha seus hábitos não muito saudáveis, como por exemplo: não dormir. Amélia revirava na cama desde muito pequena, travando verdadeiras batalhas contra o sono, que tardiamente sempre a vencia. Talvez fosse o medo de acordar e encarar o asfalto quente, a verdade dura. O fato é que Amélia não dormia mais.

Com o tempo ela foi silenciando, falava só consigo mesma, ouvia sua voz atropelando Bethânia aqui, Chico alí, Piaf acolá; mas pronunciamentos mesmo eram raros e sempre não entendidos. Ela se calou de vez.

Não se casou, também pudera, seu silêncio atraía somente músicos e ela os sacava de antemão, nunca errava. Homens assim gostam de mulheres caladas pra evitar disputa, quase que por ego. Amélia não se importava com tamanha imbecilidade se o sexo fosse bom. Fingia-se amar mais e mais. Mas não amava. Talvez se deixasse envolver com toda essa voracidade por tais homens, na busca pelo som que vinha deles e que lhe faltava. Não suportava dormir ao lado de qualquer um deles, que pareciam mais com animais cansados, exaustos do cio de Amélia que por sua vez não cansava.

Ela nunca teve lá muita imaginação para a vida, para o futuro que mais se parecia com quadros-brancos-virginais. Amélia era vazia. Transitava entre aeroportos, entrava em táxis, conhecia o mundo. Sozinha.

Um dia desses deu de fazer análise, fez um mês e descobriu que não existia. Na verdade estava começando a interpretar Freud, erroneamente. No meio de sua única crise existencial, ligou para um antigo amante no intuito de ter mais um dia longo de sexo e quem sabe, com um pouco de sorte, conseguisse até dormir com ele. Posto que Amélia já ia avançando na idade e com a terapia refletiu sobre ficar sozinha, no quanto pode ser difícil se cuidar sozinha com o passar das décadas. O problema é que ele não atendeu, estava com outra e Amélia provavelmente não lhe exalava novidade.

Da pilha de livros, Amélia separou apenas a sua edição surrada e preferida de "Cem anos de solidão", pensou em toda aquela Macondo e se viu em outros e outros, como jamais fizera.

Amélia se matou, não por desprezar a vida e tampouco por questões de fé. Se matou porque dormir pra sempre é um sonho e isso não era cotidiano para Amélia.

Nêgo

.
E vem você numa conversa à toa
Me pergunta se eu tô boa
E nem me fala "tchau"



Certeza eu não tenho
Mas queria acreditar
Que já não existe amor em mim
Pra você
Mas certeza mesmo, eu não tenho
Só te vendo pra saber
Pra ver se meu pulso salta
Pra ver se meu peito chora

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Cada Degrau

"Eu sei do futuro
Porque ele se repete
Te repete
Me repete"


.
Os degraus que nos separavam ontem, talvez tivessem se lembrado dos nossos passos apressados de tempos atrás, é, talvez eles tivessem se lembrado se não fosse o barulho de outras vozes repetindo as palavras que já não são nossas.

Já fazia tanto tempo que o coração batia calmo desde que a vida se encarregara de levar cada um de nós a caminhos opostos, que a lembrança mais viva dividida era de uma foto com céu cinza.

Quando ele desceu nossa escada eterna me achou entre toda aquela gente sem nem mesmo me procurar, com a tranquilidade de quem sempre me esperou, veio lamentando uma saudade. Eu havia até me esquecido de todas as pintas do rosto dele e de como eram cor-de-rosa suas mentiras, cheguei a me esquecer até de como falava manso pra me deixar zonza. Assim, substituindo tão de repente a angústia pela presença, me senti trocar de pernas e já nem saber mais andar.

Sorte essa a minha, essencialmente edificada pelo silêncio, que me pega pela mão, que me toma os braços, que pousa a testa na maçã do meu rosto. Que nunca me deixa ler se há amor.

Paradoxo


Eu vejo os amores passando feito filme em preto e branco, se esvaindo, nublando, dispersando. Os vejo se acabando antes de mim, antes mesmo do fim.





Você não me sente na madrugada visitando seu quarto?
Te olhando do teto?
Te beijando os ombros?
Eu sei que além de você, mora mais uma
Ela deita na minha cama
Ela invade a minha vida
E isso é só porque eu não te quis
O cotidiano mata, moreno
Não te quis morto
Te quero vivo a me lembrar dos nossos ais
Da confusão dos carros
De todos os nossos gritos no portão
Te guardei assim pra salvar o amor

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Por todos os armários, nos vestidos, nos remédios...

.




.
Não adiantava, podia até fugir da cidade, sumir de cena, mudar o filme e trocar Chico por Lenine. Ele estava por todos os lados, me cercando com aquelas manias todas, com a organização e barulho. Era só eu me pegar bibliotecando meus livros pra já vê-lo dizendo “Ordem alfabética”, resolvi espalhar todos pela casa, mudar as coisas de lugar, trocar as xícaras. Mas não adiantava.

De um tempo pra cá, passei a achar constante a presença dele enquanto acordava na madrugada pra comer, enquanto lia jornal pela manhã, enquanto abria os armários pra escolher meu vestido. Encontrava ele nos sucrilhos, na Bette Davis, nas fotos em que ele não aparecia e até no gesso do teto. Passei a dar boa noite pro travesseiro e boa tarde pras panelas, enlouqueci completamente.

Foi então que ele apareceu na porta de casa, trazendo uma frigideira colorida e um carregador pro meu celular que vive sem bateria. Disse que me achou percorrendo os corredores do supermercado e na fila do pão, disse também que as óculos-gigante-cinema-iraniano tem superlotado a megalópole, mas que nada voa tão rápido quanto eu. Me chamou de pássaro livre, tomou um chá e foi embora.

Então se passa isso tudo pela cabeça dele enquanto toma café naquele mesmo lugar onde íamos, então se sente falta de algum domingo nublado, então se acorda às 4 da manhã sonhando no meu colo, é certo de que erraremos sempre os mesmos erros. E o mesmo disco vai tocar sempre na vitrola.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Dancei no mal me quer.

.

Andar de mãos dadas é um bom negócio pra quem não tem medo de não ter onde segurar, de repente, debaixo de chuva forte; eu morro de medo.


Se um dia, tão louca
Pousar meu cansaço em teu ombro
Minha boca em teu corpo
Então serei livre de mim
E minha tristeza invadirá o mundo
Feito água, feito vento
Varrerá todo o calor
E haverá silêncio
Pra acompanhar teu violão
Meu corpo vai ser casa
Tua voz, meu coração
Nada vai fazer sentido
E do mal que me causou
Ficarei só com o adeus

sábado, 10 de julho de 2010

Fui comprar cigarro.

.

É tão igual e é tão difícil.

.



Esses vasos estão vazios, aqui não se cria mais flor, aqui não se rega mais planta, não se faz mais comida e nem se pendura lençóis. Tudo parece mais calmo hoje e mais silecioso, até os passarinhos tiveram um cuidado maior em não cantar perto da janela. Nos corredores é mais visível o abandono, os cachorros estão espalhados pelo quintal, já não se alarmam com os carteiros, guardam desdém pelos pombos roubando-lhes a ração na vasilha. O descaso e a preguiça chegaram aqui.

O frio que anda fazendo durante a noite é só mais uma desculpa pra se deitar mais cedo, pra se demorar mais a levantar; fome quase não há e tem faltado analgésicos pra dor latente, pulsante, absurda, de cabeça. Na pia da cozinha os restos de dias atrás, as roupas estão já tão espalhadas que talvez nem se ache todas as peças, não que se sinta alguma vontade de reuní-las novamente. A música antiga repete e repete e repete na vitrola antiga, já riscou o disco de tanto que falou de amor e desamor, mas continua em rotação, porque hoje algum barulho contínuo faz até que bem.

A falta de vontade tomou conta de tudo, a cidade anda estranha, gente estranha, não tem o que faça abrir essas janelas, não se atende à porta, telefones desligados. É como se tudo fosse acabando devagar, numa constância além dos limites da dor e da fé. E é como se tudo se repetisse: o medo, a falta de chão e de uma mão pra guiar.

E dessa vez, parece que eu fui embora. De mim.

sábado, 3 de julho de 2010

Sem precedentes

.
De nada mais me valem todas as minhas cores sobrepostas. De nada mais me valem sem teu olhar mendigo, teu casaco antigo e nosso amor contido pra me confortar.





Que sorriso é esse mais amarelo estampado na tua cara?

Sorriso besta de quem pouco entende da vida, de quem pouco sabe das coisas como eu costumava saber; pois houve dia em que a precisão de saber do mundo foi maior que de compreendê-lo, assim eu só sabia das coisas sem saber porquê ou pra quê.

Tinha uma vida, uma casa, uma família, tantos livros lidos, tantos discos ouvidos...Tinha base e fundamento. Tinha também velhos hábitos, cinzeiros roubados, malas gastas e uma coleção infindável de papéis-de-memória, sim, papéis desses que a gente acha em forma de "Bom dia!", em forma de "Adeus", em forma de dengo pra dia de frio. E me fora tudo roubado. Até mesmo aqueles bilhetes da viagem em que voltei antes do tempo, até mesmo a aliança gasta de já ter entornado no chão por tantas vezes, até mesmo o meu relógio antigo de onde marcava o tempo da tua demora.

Absolutamente tudo me foi tomado, subtraído, furtado. Foi arrancado de mim como se nunca houvesse ontem. Talvez nem hoje ou amanhã.

Era ele que começava a se esvair na nuvem da minha memória, era ela que passava longe de existir. Era o mundo se desfazendo um pouco e era eu bem no meio do mundo, erguendo a voz no meu lamento mais profundo de quem sente dor pela primeira vez.

E talvez aí, só aí, eu tenha sabido do mundo as coisas de novo depois que me foram tomadas, pois que além desse dia nada mais me fez falta, nem foto, nem memória, talvez alguma música ou coisa assim...mas só talvez, mas só pelo hábito. De outros tantos gritos loucos, de outros e de outros, de tão distantes delírios passionais, de tantos e tantos, tudo que eu cria era palpável e carnal, de entorpecer, de sacudir céu pra ver se caía estrela. Mundo até então era tormenta e refletores, palcos demais, sonhos demais, quiçá tempo demais; mas amor não havia. Era tudo um pouco de vidro e um pouco de pó.

Jamais acreditei no amor, cujo o descobrimento ameaçava minha fantasia de princesa e carruagem de abóbora. Jamais acreditei, jamais e jamais. Mas foi num descuido assim, de cristal que brilha e cai no chão que ele acreditou em mim. E só então eu soube que não se precisa crer no amor quando ele crê em você.

O barulho que outrora fosse valsa vienense se tornou um trupé de carros buzinando e de telefones, de gritos e responsabilidades, todos aqueles horários e relógios pra me acordar. Minha cabeça rodava tanto e tanto, confundi nomes, cidades, nem lembrava mais que alí era a Lapa, berço do samba, do qual fui eu mesma procurar. Uma ressaca homérica mundana.

Houve quem soubesse de nada e tenha tentado me enganar dizendo ser o amor o tipo de calma que o mundo não tem, um colo pra se aninhar, um abraço bom de dormir. Que nada, meu rapaz. Isso tudo é o que se tem sem amor, posto que esse tem urgência, tem loucura. Amar é começar a vida já começada, é suportar a realidade -até a pouco desconhecida- com doçura.

Mas se me conserva de deboche esse sorriso amarelo estampado na fuça, já deves conhecê-lo há tempos.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sabendo mais do depois

No começo eu montava minhas cidades, tal qual Gabriel, criava outras Macondo que talvez não tivessem suas eternas castanheiras empoeiradas, mesmo porque eu não sou muito amiga das plantas, mas tinham lá sua complexidade em cada pedaço de isopor, de madeirite, de espelho.


O problema todo foi porque não houve ensaio, sem o tal ensaio não daria pra finalizar aquela cena do “felizes para sempre” como era pra ser. Houve muito estudo na parte da iluminação, perdemos o sono e a fome com o texto já amassado e sujo nas mãos, passamos vadiando com os copos devidamente cheios até a boca, fizemos de tudo o que podia ser feito, mas faltou o maldito ensaio.

Atores, diretores e refletores já estavam cansados de esperar algum olhar verdadeiro, porque nem tudo é cinema, parte é arte, parte é sentido. Entendendo que a arte só se constrói com sentido, me sobrou a técnica e alguns anos de estudo que me rendeu uma graduação, que hoje questiono a dignidade. Ali, assim, não era nada mais que o outro, a câmera e eu. Vazia. Tentamos por diversos ângulos, meu rosto emocionado deveria ficar em evidência, mas nada da minha boca me trair e minha cabeça titubear. Resolvemos deixar pra gravar amanhã, atribuímos a culpa ao cansaço, que já estava demais, que já amargava a boca e embaçava a visão.

Não fui pra casa, saí direto rodando as ruas, procurando qualquer coisa que me fizesse sentido. Feito um caminho, um cheiro, uma palavra que me chamasse. O que eu encontrei foi um nome que me fez saudade e meu uísque preferido num boteco improvável. Entrei, bebi, dancei. Troquei olhares com desconhecidos que já me pareciam familiares, mas saí de lá sozinha, porque todo mundo é muito feliz durante a noite, até mesmo os recém separados, até mesmo os endividados, os maltrapilhos. Sujeitos tão mambembes quanto a vida miserável que levam, de sapatos sempre brilhantes. Verniz salvo!

Saber que a gravação começaria pela manhã não me dava paz, espalhei livros pelo chão, ressuscitei a vitrola, fiz café. Não havia nada que me indicasse direção, foi quando tocou uma música antiga e eu cantei junto do Chico “E é difícil dizer que foi bonito, é inútil cantar o que perdi”. Deixei os papéis de lado, abandonei o café, minha ficha caiu. Eu também amei um dia, mas faz tempo.

domingo, 13 de junho de 2010

Liberdade?

Ai miserável de mim e infeliz!
Apurar, ó céus, pretendo,
já que me tratais assim,
que delito cometi
contra vós outros, nascendo;
que, se nasci, já entendo
qual delito hei cometido:
bastante causa há servido
vossa justiça e rigor,
pois que o delito maior
do homem é ter nascido.
E só quisera saber,
para apurar males meus
deixando de parte, ó céus,
o delito de nascer,
em que vos pude ofender
por me castigardes mais?
Não nasceram os demais?
Pois se eles também nasceram,
que privilégios tiveram
como eu não gozei jamais?
Nasce a ave, e com as graças
que lhe dão beleza suma,
apenas é flor de pluma,
ou ramalhete com asas,
quando as etéreas plagas
corta com velocidade,
negando-se à piedade
do ninho que deixa em calma:
só eu, que tenho mais alma,
tenho menos liberdade?
Nasce a fera, e com a pele
que desenham manchas belas,
apenas signo é de estrelas
graças ao douto pincel,
quando atrevida e cruel,
a humana necessidade
lhe ensina a ter crueldade,
monstro de seu labirinto:
só eu, com melhor instinto,
tenho menos liberdade?
Nasce o peixe, e não respira,
aborto de ovas e lamas,
e apenas baixel de escamas
por sobre as ondas se mira,
quando a toda a parte gira,
num medir da imensidade
co'a tanta capacidade
que lhe dá o centro frio:
só eu, com mais alvedrio,
tenho menos liberdade?
Nasce o arroio, uma cobra
que entre as flores se desata,
e apenas, serpe de prata,
por entre as flores se desdobra,
já, cantor, celebra a obra
da natura em piedade
que lhe dá a majestade
do campo aberto à descida:
só eu que tenho mais vida,
tenho menos liberdade?
Em chegando a esta paixão
um vulcão, um Etna feito,
quisera arrancar do peito
pedaços do coração.
Que lei, justiça, ou razão,
nega aos homens - ó céu grave!
privilégio tão suave,
exceção tão principal,
que Deus a deu a um cristal,
ao peixe, à fera, e a uma ave?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

E todo o resto é falta de luz.

Enquanto as casas adormeciam pelo lado de lá de nossas paredes, nos procurávamos em meio as frestas das portas, em meio aos feixes de luz.




Passei olhando pelo apartamento os restos do fim de semana, o sol sumia entre as minhas cortinas, mas mesmo assim eu notava o cinzeiro transbordando, feito eu de você. Não cabia um pensamento sequer com tanta roupa espalhada pelo chão, dvd’s, livros, sapatos, papéis; mas a mala me incomodava mais que qualquer outra coisa, não tanto por eu ter tropeçado nela todas as vezes em que passei pela sala (e foram muitas), mas principalmente por não saber o que fazer quando eu te visse indo embora. De novo.

A sua agenda hoje anda tão cheia quanto a minha, talvez mais, deixando pra trás o tempo em que seu trabalho começava quando o meu terminava, mas antes do amanhecer já íamos pela estrada ouvindo salsa.

Eu fui assim, vagando distraída pela noite adentro, devorando livros feito traças, virando latas de lixo, varrendo a poeira de estrelas pra debaixo do meu tapete. Andei profetizando o nosso acaso e o fim dos tempos, que tendem a se inflamar bem mais nas manhãs de segunda-feira, enquanto você dormia sereno e lindo, refestelado em minha cama.

Qualquer agrado não me é bem vindo hoje, quero saber só dos beijos sem alma e das tuas mãos em minhas coxas; não quero que gaste meus ouvidos com as tatuagens fracassadas me tomando os braços, no entanto, despejo em suas costas o peso dos meus amores naufragados. Quero sentir teus pés no meu chão. Me conta por quantas praias você andou até aqui, mas apenas as que andou sozinho, quero saber o peso exato da tua viola quando o fardo era só teu.

Deixa os sapatos perto da porta, que não quero teus passos me mostrando algum caminho. Dança comigo sem música e rasga a minha roupa quando for me despir, me desenha com a boca e guarda os abraços pra outro dia; hoje eu quero só teu ar. Quando o coração disparar, acalma ele com meu silêncio, derrama em meu peito a culpa dos pecados e o veneno da tua saliva, me dá de comer na palma da mão, mas não censura meu sexo. Eu quero ser a saída e o banho frio, quero destruir os sonhos com a minha falta de escrúpulos, com meu olho absurdo, com minha voz desafinada.

Eu preciso de bem mais que duas aspirinas pra aliviar essa ressaca homérica que sinto toda vez que te vejo indo embora, deixando um bilhete na geladeira, deixando uma meia sem par. Me deixando no escuro, com o barulho dos carros apressados a me lembrar que eu também tenho pressa quando não tenho você.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O caso da 3x4.

Tem sempre uma caixa que some na mudança.




Voltei pra acompanhar a reforma da casa antiga, ver as salas mudando de lado, mudando de cores, a cozinha aumentando e meu quarto que já não é mais meu, virando um confortável quarto de hóspedes, mais um na casa imensa. Reforma traz a condição de novas lembranças, carrega o peso de um futuro que promete ser bom; não se faz sala de jogos onde não se pretende passar a noite bebendo, blefando e rindo-se inteiro.

Eu já ia até que bem empolgada com todas essas mudanças, paredes caindo, portas surgindo, janelas andando; quando resolveram mudar também a escada. Foi no meio da demolição da escada que achei uma foto 3x4 sua, do tempo em que eu ainda carregava fotos na carteira, do tempo em que eu ainda usava carteira. Com poeira de cimento, o chão se abriu sob meus pés.

A foto deve ter caído na correria da minha mudança, quando a caixa que levava minhas partituras se espalhou pelos degraus, dando o maior trabalho pra colocá-las em ordem depois. Sentei no meio da antiga sala de tevê e fiquei olhando pra você, tão bonito; na foto você está sério, mas lembrei daquelas boas gargalhadas que você dava quando me via observando as manias das pessoas, lembrei das risadas que você não podia dar e mordia os cantos da boca, numa tentativa frustrada de juntar os lábios. Lembrar de você rindo, de repente me fez rir também.

Quando olhei a casa de novo, já não era como nos 5 minutos passados. A casa agora parecia acabar com qualquer parte sua ainda impregnada em mim, te desmanchando, te derrubando enquanto se desfazia. Olhei pra onde costumava ficar a chaise long de onde você ficava me olhando andar pra um lado e pro outro, no escuro só se via a brasa do cigarro. Levantei do chão e resolvi percorrer nosso curto trajeto. Fui passando a mão pelas paredes, as mesmas paredes que você se apoiava enquanto se desfazia da roupa, subi a escada, mas não a nossa velha escada por onde íamos deixando os sapatos e tropeçando, por onde seguíamos contando quase que exclusivamente com nosso tato; subi a nova escada, uma improvisada que colocaram ali, fui subindo tão desequilibrada quanto fazia quando eu bebia mais que você. Andei pelo corredor feito sonâmbula, ainda procurando algum rastro seu, alguma coisa nossa que tenha ficado no lugar. Entrei no quarto e lembrei da última vez em que você esteve lá, pensei que na verdade, ninguém sabia o motivo de eu ter mandado cobrir uma parte com papel de parede, mas me explico agora, dizendo que foi só pra encobrir as marcas de suor do teu corpo. Naquele dia em que você foi embora, eu passei a tarde toda limpando a parede, como quem limpa a alma, como que me esterilizando de você; quando a noite veio e eu olhei a parede, a sua mão continuava lá, fosforecendo e andando pelo meu corpo. Eu podia ver você outra vez ali, no meio do quarto que já foi meu, dizendo coisas que só se diz às putas, ouvi os botões da sua camisa caindo no chão de novo e meu corpo ardeu.

Me encolhi toda no lugar da cama e deixei o tempo passar, feito você na minha vida, passando sem responsabilidade, me deixando no lugar e sem lugar. Fui me arrastando até onde deveria estar o criado-mudo, cheio de papéis de memória e fotografias dos lugares por onde eu tive que andar sozinha. Me deitei em algum momento e tive a vaga sensação de que eram seus aqueles passos, afundando círculos pelo assoalho, reclamando do meu descaso e da liberdade que eu carregava até então nas costas.

Só fomos nos falar novamente uma semana depois, no estacionamento, depois do show e tomando chuva. Eu lembro de ter negado a tua mão ao atravessar a rua, tenho ainda nas pontas dos dedos a textura do teu casaco marrom e a respiração cortada pelo silêncio que saía da tua boca. É engraçado até, mas entre tudo o que dissemos um ao outro, deixamos o óbvio de lado, talvez numa disputa infantil de não ceder primeiro, sei que deixamos oculto o que nos sufocava e todo mundo via. Deixamos essa última vez passar também.

Meses depois, quando o telefone tocou, eu não te senti me chamando. É sério. Eu sentia quando era você quem ligava, a campainha era igual a de todos, mas eu sempre sabia. Dessa vez meu coração não te sentiu, só fui reconhecer a voz depois do terceiro “Amanda?”.

Onde é que a gente foi parar?

Varando a madrugada, se atirando em qualquer cama, com quem?

Passo a estar em reforma, juntamente à velha casa que já nos viu dormir por tantas vezes. Derrubarão nossas paredes em breve, já tiraram nosso piso, já se vê o céu por um buraco em nosso teto.

Amanhã, quando a gente se encontrar no batente da porta de onde nos conhecemos, enquanto a gente se cumprimentar cordialmente e fingir não ter nem remorso, nem vontade, evita falar do meu cabelo, não me abrace por mais de 2 segundos e em momento algum apóie sua testa na maçã do meu rosto. Mas ó, canta aquela pra mim, só mais uma vez.