segunda-feira, 14 de março de 2011

Os sapatos dela - C'est toi




Com um pouco de pressa, ela deixa cair o papel que anotou as pesquisas de um dia todo, em outros tempos ficaria zangada com isso, mas hoje em dia não. Ela era assim, era comum, dessas moças que cruzam com a gente no semáforo, que vão ao supermercado aos domingos, que esperam na fila do banco. No meio disso tudo, ela tinha alguma leveza imperceptível aos olhos duros de quem já não tem fé, e são muitos esses, mas era comum que a notassem ao passar desatenta e discreta, se não fossem pelos sapatos coloridos.


A vida era gentil e ela agradecia, tinha alcançado o mais absoluto estado de paz, apesar das contas mensais e da jornada de trabalho exaustiva, achava isso tudo o máximo, achava que era assim mesmo que tinha que ser; o mundo respondia desfazendo os nós enquanto ela pensava contraditória “Il y a toujours quelque choe d’abient qui me tourment “, e sorria de saber que isso fazia parte de sua própria natureza. Tinha aprendido a esperar e deixar a vida chegar mansa, o amor chegar sem pressa e sem medo, mas o fazia inconsciente, ela estava pronta pro que faltava.


Ele veio chegando atrapalhado, cheio de malas e sem dormir, tinha acabado de chegar na cidade. Estava cansado, com a cara amassada da viagem de ônibus, com pouco dinheiro no bolso e com um universo de possibilidades dessa mudança, veio buscar o muito de tudo que faltava nele, com disposição pra encarar qualquer tormenta.


Enquanto esperava o elevador, estudava a arquitetura do hall do novo prédio antigo buscando referências européias do século XVIII, foi quando ela chegou distraída com os fones de ouvido, com sapatos púrpura no elevador que ele esperava. Ela olhou e soube. Ele olhou e disse “Bom dia”, mas pensou “Il y a toujours quelque choe d’abient qui me tourment...maintenant je sais: c'est toi”.

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