segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Reverso

Entre um carro e outro que passavam sem dar trégua a voz dele dava voltas no quarteirão, inundando minha cabeça de pensamentos soltos e vagos, procurava entender as palavras por trás das palavras dele e não encontrava o que pousasse em colo, nem as mãos nas mão. Era um centímetro, era um segundo e era nada com xícaras já vazias. E era o filme e o artigo do jornal, de repente era eu em pauta; era um "eu" que nunca existiu. Penso que definitivamente ele me procura onde eu não estou.

Não sei se Deus compartilhou comigo a tristeza, mas um dia tão lindo quanto hoje se fez chover, me dando a sensação de ser a fonte desse lamento, a cidade toda parecia sentir doer o descaso agudo dele. Ou era só cansaço. Ou era só chuva. Talvez também fosse só ele nele e eu já sem mim. Não sei.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Te leva, me traz


"Volta e torce o nó
Tece a cama
Muda a onda de lado"





Anda sorrateiro por esses corredores
Aqui é sol pra não dormir
Ele vem e fecha a janela
Quase esquece que não sei o caminho
Quase me deixa pra trás
Sigo por instinto e teimosia
Tenho febre
Será que é ele de novo?
Será que é novo?
A rosa por dentro é atômica
E é o sofá e é a tevê
E sou eu de onde você não vê e nem sente
Tem Chico mais tarde, pra almoçar
E na janta tem sopa de letrinhas
Hoje quando acordei pensei que ele estaria por perto
Mas acabei encontrando-o dentro de mim

domingo, 21 de novembro de 2010

Por onde ela não vê

Mais um dia que ia embora e Cecília não havia tido coragem, pensava que deixara escapar outra chance de dizer de uma vez por todas que iria embora. Sentada nos fundos da casa e fumando escondida, refez sua promessa de que amanhã esclareceria tudo, remontou o mesmo texto que deixaria Paulo sem atitudes a tomar e era perfeito sair assim sem culpa. Reavaliou o estado de suas malas e escolheu levar apenas seus pertences, primeiro porque não queria levar lembranças da casa, depois porque não caberia tudo na casa de sua amiga onde ficaria até encontrar um novo apartamento só seu.

Apanhou a garrafa de vinho que havia comprado na última viagem que fizeram e abriu, um tanto por birra, outro tanto por sentir que deveria comemorar essa mudança. A partir de agora a vida teria mais sentido e mais cor, fechava os olhos e sorria docemente ao imaginar as noites em que passaria longe dali. Era quase uma alforria de sua alma que reclamava tanto por mais liberdade, chegou a pensar por um momento que Paulo não a impedia que fizesse o que queria, mas a obrigação vinha dela, sentia que tinha mil deveres e isso sim já tinha se tornado inaceitável pra todo o desprendimento.

Esperou o resto da noite e acabou por pegar no sono já com malas feitas, acontece que Paulo não voltou aquela noite. Cecília sentiu um certo alívio momentâneo ao ver que a casa estava vazia, pois bebeu além da conta e deixou a taça tombar no tapete da sala; perdeu a manhã tirando a mancha e novamente se postou a esperar, e esperou. Paulo nunca voltou.

domingo, 14 de novembro de 2010

2 e Meio


Rádio ligado
Cortina improvisada
Ele não está mais lá
Janela fechada
Rua sem saída
Amor que não se deu
Cheiro de chuva
Coca-cola e saudade





quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Pertinência



E se eu voltasse?
Voltaríamos ao que paramos
Ou voltaríamos a começar?