domingo, 21 de novembro de 2010

Por onde ela não vê

Mais um dia que ia embora e Cecília não havia tido coragem, pensava que deixara escapar outra chance de dizer de uma vez por todas que iria embora. Sentada nos fundos da casa e fumando escondida, refez sua promessa de que amanhã esclareceria tudo, remontou o mesmo texto que deixaria Paulo sem atitudes a tomar e era perfeito sair assim sem culpa. Reavaliou o estado de suas malas e escolheu levar apenas seus pertences, primeiro porque não queria levar lembranças da casa, depois porque não caberia tudo na casa de sua amiga onde ficaria até encontrar um novo apartamento só seu.

Apanhou a garrafa de vinho que havia comprado na última viagem que fizeram e abriu, um tanto por birra, outro tanto por sentir que deveria comemorar essa mudança. A partir de agora a vida teria mais sentido e mais cor, fechava os olhos e sorria docemente ao imaginar as noites em que passaria longe dali. Era quase uma alforria de sua alma que reclamava tanto por mais liberdade, chegou a pensar por um momento que Paulo não a impedia que fizesse o que queria, mas a obrigação vinha dela, sentia que tinha mil deveres e isso sim já tinha se tornado inaceitável pra todo o desprendimento.

Esperou o resto da noite e acabou por pegar no sono já com malas feitas, acontece que Paulo não voltou aquela noite. Cecília sentiu um certo alívio momentâneo ao ver que a casa estava vazia, pois bebeu além da conta e deixou a taça tombar no tapete da sala; perdeu a manhã tirando a mancha e novamente se postou a esperar, e esperou. Paulo nunca voltou.

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