segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Diz que me diz que fica


Desde que fui dele, nunca mais saiu de mim.
Eu convivo com o fato de tê-lo pelos cômodos da casa, no pé da escada e no final dela, entre cada parede, sentado na sala de jantar. Acordar já é quase que me certificar de que minha cama está vazia de pronto, que não houve nenhuma loucura noturna, nenhum desejo indecente, mas ainda é como se ele estivesse lá o tempo todo olhando pra mim dentro do espelho, marcando meus passos, contando minhas horas. Que dor, meu Deus, que dor!
Já procurei ajuda médica, rezei pra Deus, fui pro terreiro pedir pro santo, fiz promessa, fiz jejum, tomei remédio pra dormir, chorei. Quando tudo estava mais calmo, meu coração já andava batendo mais devagar, ele teimou em saltar de alguma gaveta e a casa voltou a se povoar dele, da sua música, da sua sombra e do vulto dos seus beijos, que me beijaram tantas vezes até a alma, que me enfeitaram tantas vezes e me vestiram todo o corpo.
Já não sei a quem pedir, de quem esperar, já não tenho mais força pra fugir e tirá-lo de vez de mim, mesmo andando pelos caminhos que não fizemos juntos, mesmo ouvindo as músicas que ele jamais me cantaria, mesmo girando os gelos do meu copo com os dedos, ele não sai e não sai. E é como se eu quisesse gritar, mas não saísse a voz, não ouso correr com o corpo exausto das noites em que passo correndo sem alcançá-lo.
Tenho perseguido uma idéia de um homem que não sei ao certo se corresponde à imagem que lhe pertence, tenho andado ocupada pelo labirinto da minha fantasia, porque só lá eu o vejo melhor, eu o tenho, isso quando não me foges galopando. Tenho uma fé duvidosa do motivo que teria pra entrar em minha vida e uma coragem audaciosa pra mantê-lo vivo por fios, por pura obstinação. Não tenho mais tempo pro resto, administrar os fragmentos dele me ocupa integralmente, são pequenos pedaços de mentiras sinceras, de amores perfeitos, tanto quanto impossíveis.
Não tenho mais vontade que ele saia de mim, nem por um momento, nem por esse momento, pois já não saberia lidar com minha própria vida se não fosse ele a me assistir.

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