terça-feira, 21 de setembro de 2010

Mesmo longe, Sampa


Olhando daqui de cima não se vê muito além de pequenas luzes, como as do meu quintal, onde fico pensando pra onde estariam indo aqueles no avião. Invejando a viagem. Como se quem voa não pensasse em quem está aconchegado em casa. Invejando a chegada.


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Já passou bastante tempo desde o embarque e ainda estou longe de chegar, não sei dizer onde exatamente estou agora, mas daqui dá pra ver que só tem água lá embaixo. Consegui até cochilar um pouco, é, acordava e nem abria o olho na esperança de apagar de novo, mas essa coisa toda pela metade aqui me incomoda muitíssimo: a comida meio fria, a bebida meio quente, a meia-luz, o silêncio meio irritado e até o conforto só é conseguido na primeira meia hora. Contribuo com a claridade acendendo aquela lâmpada mal regulada destinada à minha poltrona, procuro meu Garcia Marques na bolsa e noto só então que o coloquei dentro da mala, me sobrou o mp4 velho de guerra, pego e apago a luz.

A maior parte das pessoas sentadas próximas a mim parece estar sozinha, me passa até um certo conforto quando as vejo satisfeitas em suas próprias companhias, como se essa lata de sardinha fosse um spa e nós, intocáveis e suficientes. Eu não. Gosto da boa companhia de amigos de outros carnavais, dos cafés madrugueiros. Gosto até de andar por aí, esbarrando desconhecidos, mas com os pés no chão. Gosto da minha calma, de vestido estampado, instalada em meio ao caos, engravatado.

Fica inevitável lembrar dos fins de festa, do frio absurdo que sempre passo por não levar casaco, mas nada parecido com esse ar-condicionado ressecando a minha garganta. Eu falo daquelas noites em que eu saía suada de tanto dançar, do pastel da feira no domingo pós balada, até o Estadão passou a fazer falta. Não acredito que disse isso. Até o Estadão!

Não tenho medo do novo, acho que sempre vai ser bom, o meu problema maior é deixar as coisas sempre inacabadas. Acho que o que me apavora é o fim das coisas. Queria, sei lá, viver tudo ao mesmo tempo sem respeitar a ordem cronológica, sem pensar que eu também acabo um dia. Deixo sempre pra dizer as coisas depois, como se tudo estivesse no mesmo lugar em que vi pela última vez, como se fosse ficar esperando pra sempre a minha coragem chegar pra eu dizer o que já me vinha sendo amadurecido na idéia por tanto tempo. O tempo acaba levando essas chances também.

Tem tempo já que não ouço Caetano, mas o fone de ouvido me surpreendeu com "Sampa". Pensei dessa vez numa segunda-feira de manhã, onde o meu silêncio era tão incômodo quanto ao daqui, não sei se a pressa vinha do relógio ou de mim, sei só que era latente e visível. Ele ainda quis parar pra um café, puxou assunto, não dei pelota. Eu sei que me importava com tudo o que ele dizia, até porque era divertido vê-lo todo embaraçado com a minha apatia, mesmo assim eu precisava ir embora. Sabia que tinha estrada pra pegar ainda por cima, que o trânsito já estava a sucursal do inferno, mas também sabia que 5 minutos não fariam a menor diferença pra quem já ia chegar atrasada de qualquer forma. Ainda assim não deixei que ele falasse tudo, interrompi a frase num beijo seco e disse "Eu sei sair daqui", já que íamos por caminhos opostos. Agora sim eu começo a me sentir um gênio, sei disso, daquilo e daquilo outro. Só não consigo me responder o que é que ele esperou quando deu dois passos pra frente e virou, ficando parado me olhando ir embora. Ele não sabe, mas eu vi tudo pelo reflexo dos meus óculos de sol, enquanto eu os tirava da caixinha pra esconder a minha cara. Me pergunto agora o por quê de não ter voltado e dito o quanto aqueles dias foram bons, o quanto eu me importava com ele, devia ter desejado um bom dia no lugar de mais um "Eu sei", devia ter dado um beijo bom e um abraço apertado pra ouvir então o que ele tanto queria me dizer, mesmo sabendo que nos encontraríamos logo. Não ter voltado talvez tenha mudado tudo, pois como ele mesmo me disse semanas mais tarde "Você não me vê". Eu via, só não falava. Lembro até do que eu disse ter esquecido, esses dias atrás.

Medo. Tempo. Aqui em cima isso soa até irônico. Ao passo que fechos os olhos tentando um novo cochilo, o vejo lá parado de jeans surrado e casaco vermelho, esperando sem pressa que eu volte e continue de onde parei. Enquanto isso, o Caetano fica aqui pra me lembrar que "alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João". Onde eu continuei a andar sem olhar pra trás.

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