quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sabendo mais do depois

No começo eu montava minhas cidades, tal qual Gabriel, criava outras Macondo que talvez não tivessem suas eternas castanheiras empoeiradas, mesmo porque eu não sou muito amiga das plantas, mas tinham lá sua complexidade em cada pedaço de isopor, de madeirite, de espelho.


O problema todo foi porque não houve ensaio, sem o tal ensaio não daria pra finalizar aquela cena do “felizes para sempre” como era pra ser. Houve muito estudo na parte da iluminação, perdemos o sono e a fome com o texto já amassado e sujo nas mãos, passamos vadiando com os copos devidamente cheios até a boca, fizemos de tudo o que podia ser feito, mas faltou o maldito ensaio.

Atores, diretores e refletores já estavam cansados de esperar algum olhar verdadeiro, porque nem tudo é cinema, parte é arte, parte é sentido. Entendendo que a arte só se constrói com sentido, me sobrou a técnica e alguns anos de estudo que me rendeu uma graduação, que hoje questiono a dignidade. Ali, assim, não era nada mais que o outro, a câmera e eu. Vazia. Tentamos por diversos ângulos, meu rosto emocionado deveria ficar em evidência, mas nada da minha boca me trair e minha cabeça titubear. Resolvemos deixar pra gravar amanhã, atribuímos a culpa ao cansaço, que já estava demais, que já amargava a boca e embaçava a visão.

Não fui pra casa, saí direto rodando as ruas, procurando qualquer coisa que me fizesse sentido. Feito um caminho, um cheiro, uma palavra que me chamasse. O que eu encontrei foi um nome que me fez saudade e meu uísque preferido num boteco improvável. Entrei, bebi, dancei. Troquei olhares com desconhecidos que já me pareciam familiares, mas saí de lá sozinha, porque todo mundo é muito feliz durante a noite, até mesmo os recém separados, até mesmo os endividados, os maltrapilhos. Sujeitos tão mambembes quanto a vida miserável que levam, de sapatos sempre brilhantes. Verniz salvo!

Saber que a gravação começaria pela manhã não me dava paz, espalhei livros pelo chão, ressuscitei a vitrola, fiz café. Não havia nada que me indicasse direção, foi quando tocou uma música antiga e eu cantei junto do Chico “E é difícil dizer que foi bonito, é inútil cantar o que perdi”. Deixei os papéis de lado, abandonei o café, minha ficha caiu. Eu também amei um dia, mas faz tempo.

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