sábado, 3 de julho de 2010

Sem precedentes

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De nada mais me valem todas as minhas cores sobrepostas. De nada mais me valem sem teu olhar mendigo, teu casaco antigo e nosso amor contido pra me confortar.





Que sorriso é esse mais amarelo estampado na tua cara?

Sorriso besta de quem pouco entende da vida, de quem pouco sabe das coisas como eu costumava saber; pois houve dia em que a precisão de saber do mundo foi maior que de compreendê-lo, assim eu só sabia das coisas sem saber porquê ou pra quê.

Tinha uma vida, uma casa, uma família, tantos livros lidos, tantos discos ouvidos...Tinha base e fundamento. Tinha também velhos hábitos, cinzeiros roubados, malas gastas e uma coleção infindável de papéis-de-memória, sim, papéis desses que a gente acha em forma de "Bom dia!", em forma de "Adeus", em forma de dengo pra dia de frio. E me fora tudo roubado. Até mesmo aqueles bilhetes da viagem em que voltei antes do tempo, até mesmo a aliança gasta de já ter entornado no chão por tantas vezes, até mesmo o meu relógio antigo de onde marcava o tempo da tua demora.

Absolutamente tudo me foi tomado, subtraído, furtado. Foi arrancado de mim como se nunca houvesse ontem. Talvez nem hoje ou amanhã.

Era ele que começava a se esvair na nuvem da minha memória, era ela que passava longe de existir. Era o mundo se desfazendo um pouco e era eu bem no meio do mundo, erguendo a voz no meu lamento mais profundo de quem sente dor pela primeira vez.

E talvez aí, só aí, eu tenha sabido do mundo as coisas de novo depois que me foram tomadas, pois que além desse dia nada mais me fez falta, nem foto, nem memória, talvez alguma música ou coisa assim...mas só talvez, mas só pelo hábito. De outros tantos gritos loucos, de outros e de outros, de tão distantes delírios passionais, de tantos e tantos, tudo que eu cria era palpável e carnal, de entorpecer, de sacudir céu pra ver se caía estrela. Mundo até então era tormenta e refletores, palcos demais, sonhos demais, quiçá tempo demais; mas amor não havia. Era tudo um pouco de vidro e um pouco de pó.

Jamais acreditei no amor, cujo o descobrimento ameaçava minha fantasia de princesa e carruagem de abóbora. Jamais acreditei, jamais e jamais. Mas foi num descuido assim, de cristal que brilha e cai no chão que ele acreditou em mim. E só então eu soube que não se precisa crer no amor quando ele crê em você.

O barulho que outrora fosse valsa vienense se tornou um trupé de carros buzinando e de telefones, de gritos e responsabilidades, todos aqueles horários e relógios pra me acordar. Minha cabeça rodava tanto e tanto, confundi nomes, cidades, nem lembrava mais que alí era a Lapa, berço do samba, do qual fui eu mesma procurar. Uma ressaca homérica mundana.

Houve quem soubesse de nada e tenha tentado me enganar dizendo ser o amor o tipo de calma que o mundo não tem, um colo pra se aninhar, um abraço bom de dormir. Que nada, meu rapaz. Isso tudo é o que se tem sem amor, posto que esse tem urgência, tem loucura. Amar é começar a vida já começada, é suportar a realidade -até a pouco desconhecida- com doçura.

Mas se me conserva de deboche esse sorriso amarelo estampado na fuça, já deves conhecê-lo há tempos.

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